sexta-feira, 16 de julho de 2010

Tarde no Cinzeiro


A tarde cinza era quase um reflexo de mim mesma. Mas chovia, e eu cheguei num ponto em que não sei nem chorar - daí aprendo a gostar de vomitar, porque é uma forma de chorar, como ela me leu num conto de C. F. Abreu enquanto eu puxei (mais) um cigarro do maço e fiquei encarando as palavras no ar, com a fumaça.
Lembrei de um punhado de coisas que tinha esquecido. Da sensação absurda de não haver um resquício de serotonina no meu corpo inteiro. Do grande vazio que eu sentia. E corrigi: do grande vazio que sinto.
Deve haver algum sentido. E se do alto das minhas 81 encarnações não houver sentido nenhum em 81 vidas, em 81 desilusões consecutivas, em 81 quedas e pior, 81 recomeços?
Sabe, o mais triste é ter esperança.
Tem uma parte do jogo em que fica bem você desistir, e admitir que perdeu. Pronto, perdi. É importante ser bom perdedor. Como eu, desistindo desse post sem coerência nenhuma.

Era tarde, era cinza, era inverno.
Como São Paulo de outra época, garoava, e eu esperava o bonde na estação de metrô.
Como em dias imemoráveis, como com olhos de outros tempos, eu enterrava minha misantropia no asfalto molhado, que não sabia absorvê-la, porque é concreto, e acabava refletindo em mim as minhas dores eternas.

Quem é que não tem dor?
Ela é tudo que tenho; é quase uma obrigação que eu goste dela.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Come solitude


Estou certa, disse com frieza (sempre com frieza) à Lya Luft, de que o que eu precisava era mesmo dos silêncios.
De repente, percebi que troquei o preto pelo branco, e que são ambos igualmente terríveis, porque são ausências. Que eu estou me tornando, lentamente, uma vasta ausência, também. E que quero, mais do que nunca, estar ausente.

E na manhã fria e triste de junho, quis, desesperadoramente, chorar. Quis, a título de último desejo, um ombro compreensivo. E sozinha, mergulhada nas dores do vento outonal, percebi que não podia querer ninguém. Eu precisava de mim mesma. Daquele resquício de mim. Do que restou dos fragmentos, dos meus dessorrisos, das lágrimas que eu engoli, tão amargas que me fizeram amarga por completo.

Eu quero o meu silêncio. Quero meu silêncio de eras.
Quero a simplicidade das minhas malas feitas, de nem precisar dizer adeus.

Come destiny.
Come solitude.
Lacrimas Profundere

(imagem: Petersburgskoye schosse, estrada S. Petesburgo - Pushkin.)
obsessões com a Rússia são marcantes em meus posts, especialmente quando quero solidão

sexta-feira, 11 de junho de 2010

abandono

substantivo masculino

1. ato ou efeito de deixar, de largar, de sair sem a intenção de voltar; partida, afastamento
2. falto de amparo ou assistência; dessarrimo
3. ato ou efeito de renunciar, de desistir
4. estado ou condição do que é ou se encontra abandonado; desleixo, negligência

Já há algum tempo que essa condição me persegue. Até hoje só quis abandonar. De repente, fui eu quem me surpreendi abandonada.
São Paulo, São Paulo: minha solidão não é santa como tu, cidade maldita. Atropelas meu coração na esquina da Dona Antonia com a Consolação (que nem a si mesma serve de consolo entre tantos faróis) e percebo como sou abandonada, como também me abandonei.
E agora lateja dentro de mim a necessidade absurda de partir, de abandonar tudo uma vez mais.

(Sobre a ponte Tul'skaya o pranto seco da moça;
o céu é cinza, a alma é cinza, e ela bate as cinzas do cigarro por sobre o monocromático da vida nas capitais)

terça-feira, 8 de junho de 2010